26 de junho de 2010

ELEANORA FAGAN GOUGH - BILLIE HOLIDAY



...sol a pino, calor escaldante de 35º, final da década de 50 e íamos nós para mais um treino diário de futebol de salão a partir das 13h00 (a palavra futsal ainda não era conhecida). Infelizmente, às 18h00 éramos obrigados a encerrar o treino sob fortes protestos da turma (atualmente, nossos futebolistas geração bronze, apesar da alta remuneração, reclamam de ter que jogar duas vezes por semana!).

Entretanto, meu amigo Jota (*) não participava dos treinos, pois ele preferia ficar lendo e ouvindo LPs de música erudita e jazz. Eu achava estranho ele perder tempo daquele modo, mas aos poucos, fui descobrindo que o danado do Jota era o mais inteligente e maduro da turma.

Eu curtia Elvis Presley, Neil Sedaka, Brenda Lee, The Platters e somente engatinhava humildemente pelo mundo do jazz, graças a algumas dicas e desafios do perspicaz Jota.

No universo das grandes cantoras de jazz, eu já me sentia pós-graduado, já conhecia Ella Fitzgerald e até possuía um LP dela cantando Night and Day e também já conhecia Dinah Washington, pois tinha em minha coleção o LP "What a Diff´rence a Day Makes" que comprei de liquidação na lojinha do Branco em Itapetininga.

Mas novos desafios estavam por acontecer...

Novamente aparecia o Jota me trazendo uma grande novidade: “Esqueça Ella e Dinah e ouça Billie Holiday, pois essa é a maior cantora de Jazz”. Lá fui eu tentar descobrir um LP da Billie na lojinha do Branco, e o danado do Jota tinha razão. Ouvi, gostei e me encantei por Billie Holiday e até o presente momento, ela é minha cantora favorita de jazz e sua voz tem intimidade com a letra que canta. Billie com sua camélia branca iluminando seus cabelos, não improvisava muito como Sarah Vaughan, mas com sua irreverência, não acompanhava a melodia...

Sou leigo quanto a técnicas musicais, mas considero um bom vocalista quem consegue transmitir sentimentos, independente do grau de afinação e potência de voz. Para mim, Billie Holiday, Chet Baker e João Gilberto têm algo em comum, pois eles possuem um dom muito especial: eles cantam através da alma e não através das cordas vocais.

Após ficar envolvido por Billie, meu amigo Jota surgiu novamente com outra novidade: “Billie já era, o negócio é curtir Bessie Smith!”. Pensei um pouco... e respondi: “Agora é tarde Jota, pois já estou apaixonado por Billie”.

Nascida Eleanora Fagan Gough (Philadelfia 07/04/15 – New York 17/07/59), Billie Holiday foi criada em Baltimore por pais adolescentes e quando nasceu, seu pai tinha quinze anos de idade e sua mãe apenas treze.

Negra e pobre, aos dez anos foi violentada por um vizinho, aos doze trabalhava lavando assoalhos em prostíbulo e aos catorze anos, morando em New York caiu na prostituição.

Sua vida como cantora começou em 1930 em New York e seu aprendizado musical se deu ouvindo Bessie Smith e Louis Armstrong. Gravou seu primeiro disco com a Big Band de Benny Goodman e também cantou com as Big Bands de Artie Shaw e Count Basie.

Seu fraseado, emoção e sensualidade à flor da voz, a aproximaram do estilo do talentoso saxofonista Lester Young, com quem em quatro anos gravou cerca de cinqüenta músicas. Billie e Lester eram como irmãos, ele adorava a mãe de Billie e a apelidou de Lady Day e Billie herdou e se apoderou do apelido. Lester faleceu em março de 1959, e acho que Billie não teria falecido quatro meses após, se Lester ainda estivesse vivo.

Além de seu talento como cantora, Billie compôs uma dezena de canções, sendo as mais conhecidas Fine and Mellow, God Bless the Child e Lady Sings the Blues.






Billie celebrizou a música Strange Fruit, gravada em abril de 1939 e foi uma das canções mais famosas e premiadas de Lady Day. Sua letra, poema do judeu Abel Meerop sob o pseudônimo Lewis Allan, denunciou o racismo americano, principalmente o linchamento de negros que ocorreu no sul do país. Como hit mundial, Strange Fruit tornou Billie a encarnação da música engajada na época.




A partir de 1940, apesar do sucesso, Billie Holiday sucumbiu ao álcool e às drogas, passando por momentos de depressão que refletiram em sua voz. Mesmo assim, suas últimas gravações apesar de seu estado físico e emocional debilitados, são consideradas por muitos críticos como definitivamente as melhores.

Considero seu CD "Lady in Satin" gravado em fevereiro de 1958, dezessete meses antes de sua morte seu melhor trabalho. Duas músicas desse CD, I´m a Fool to Want You e The End of a Love Affair retratam e são um testemunho fiel de seu incomparável e inimitável estilo.






(*) J.Jota Moraes, conceituado escritor e crítico musical.

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